Feche os olhos, relaxe e imagine seu intestino ou seu estômago livre de dores e desconfortos. Exatamente do jeito que você gostaria de se sentir. Mais que imaginar, com o tratamento por hipnose direcionada ao sistema digestivo (Gut-Directed Hypnosis), isso pode ser uma realidade.
Durante uma sessão o paciente se sentará confortavelmente. Ao tempo correto, fechará os olhos, enquanto continua atento à minha voz. O convite será para que adentre um profundo estado de relaxamento, deixando o corpo tornar-se confortavelmente pesado.
Simplesmente deixando-se ser guiado, como que seguindo às instruções de um GPS, ele irá passo a passo atingir níveis que permitem um total direcionamento do seu foco de atenção e de sua imaginação. Imagens mentais, de acordo com as características de cada indivíduo, serão introduzidas para ampliar este estado de consciência e encorajar um relaxamento ainda mais profundo.
Então, chegará o momento de experimentar as sensações de seu sistema digestivo funcionando regularmente, sem dor e desconforto. Será proposto que não preste mais atenção às sensações desconfortáveis nos intestinos, o cérebro do paciente passa a ordenar que seu sistema digestivo funcione com facilidade e normalidade.
O processo continua, onde serão cumpridas várias etapas de um protocolo já testado por vários anos em outros países além do Brasil com grande sucesso. Em minha prática, cada sessão poderá durar entre 1:30h até, algumas mais longas, chegando a 3h de duração. Ao final de cada sessão, o paciente abre os olhos sentindo-se relaxado e revigorado.
Este é um vislumbre de uma modalidade de tratamento que está alcançando resultados extremamente positivos em pacientes com problemas gastroenterológicos, como síndrome do intestino irritável (SII), doenças inflamatórias intestinais (DII) e doença do refluxo gastroesofágico refratário (DRGE).
Hipnose direcionada e desconfortos digestivos
Como Médico Cirurgião Gastroenterologista e Hipnólogo, tenho procurado cada vez mais me especializar no manejo comportamental dessas doenças, que são impulsionadas por conexões defeituosas no cérebro e no intestino, causando desconforto gastrointestinal.
Abre-se assim uma nova oportunidade para pessoas que vem há anos procurando alívio para seus problemas, muitas vezes já tendo recorrido a grande número de medicações e mesmo cirurgias, sem o resultado esperado.
Em verdade, os distúrbios gastrointestinais são complexos e as causas são diferentes para cada paciente. Mas sabemos que a hipersensibilidade visceral, terminações nervosas sensíveis, no intestino fazem com que os pacientes com doenças gastrointestinais experimentem mais problemas de dor e mobilidade. A hipnose dirigida a esses casos trata essa “falha de comunicação” entre o cérebro e o intestino.
É um estado mental especial em que um médico treinado conduz a pessoa a um estado onde direciona sua consciência para seus objetivos terapêuticos enquanto se sente profundamente relaxado. A técnica usa sugestão, imaginação e relaxamento para produzir efeitos sob a psique e o corpo.
Em casos específicos, sob estado de hipnose são também usadas técnicas psicoterápicas com bases psicodinâmicas, behavioristas, cognitivo-comportamental e sistêmicas.
Antes de iniciar o tratamento conduzo uma consulta de avaliação onde é extremamente importante entender toda a histórica clínica do paciente, tratamentos já realizados, histórico de vida envolvendo tanto questões físicas quanto psicoemocionais, além de hábitos e comportamentos.
A hipnose exige uma atitude mental correta na qual o indivíduo permita que sua imaginação seja mais vívida possível, de fato pensando sobre como as coisas se parecem, deixar sentir e soar, a ponto de mergulhar em suas próprias introspecções.
Com auxílio de um terapeuta habilidoso, todo paciente conseguirá atingir este estado desde que esteja disposto a fazê-lo. Hipnose é uma habilidade, cada um pode ter essa habilidade de modo inato em maior ou menor grau, mas independente disso, todos podem treinar de modo a aprender e ficar cada dia melhor na sua aplicação. Essa é a proposta da terapia.
Entendendo a hipnose
É natural que durante a hipnose a mente divague e às vezes perca o foco, isso é normal e faz parte do processo. Com o treinamento progressivo o controle do paciente sobre o processo passa a ser cada vez maior. Por isso, todas as etapas do tratamento irão ocorrer naturalmente e ao tempo de cada um. Antes de começarmos também corrijo quaisquer ideias erradas sobre a hipnose, como preocupações sobre estar fora de controle.
A hipnose médica não é hipnose de palco, e mesmo as pessoas que antes eram céticas geralmente acham que é uma experiência prazerosa. Os pacientes mantêm o controle total de sua mente e corpo, e a hipnose introduz um nível profundo de relaxamento guiado de modo direcionado para melhorar a função do trato digestivo.
Os pacientes passam por um protocolo de 5 sessões uma vez a cada duas semanas na clínica. Entre as sessões de hipnoterapia, forneço ao paciente uma gravação de áudio que eles ouvem diariamente como lição de casa.
Há pesquisas significativas que mostram que a hipnoterapia é eficaz e os resultados são duradouros quando bem indicada.
Hipnoterapia para a Síndrome do Intestino Irritável
Peter Whorwell, um gastroenterologista pioneiro da Universidade de Manchester, introduziu o primeiro protocolo de hipnoterapia com script para pacientes com Síndrome do Intestino Irritável em 1984.
Desde então, dezenas de estudos bem desenhados foram publicados na literatura destacando os benefícios desse tratamento. Os resultados mostram melhorias significativas nos sintomas, incluindo dor abdominal, distensão abdominal e disfunção intestinal, melhoras na qualidade de vida, controle do estresse e na gravidade da doença.
Distúrbios funcionais gastrointestinais, como a Síndrome do Intestino Irritável, são complexos porque o trato digestivo e a microbiota de cada pessoa são diferentes. Os sintomas de uma pessoa com estes distúrbios funcionais são causados por fatores diferentes dos de outra pessoa. Certamente há uma função para os produtos farmacêuticos, mas as taxas de resposta variam e às vezes podem produzir efeitos colaterais desagradáveis.
Um paciente com constipação (prisão de ventre) que recebe medicação prescrita pode ter alívio desse problema, mas pode começar a passar várias horas no banheiro com fezes amolecidas e frequentes.
Frequentemente, tudo se resume a bom senso, experiência do profissional e pesar os custos e benefícios. Para algumas pessoas, a medicação é necessária, em outros podemos usar abordagens não farmacêuticas e para outros ambas as coisas.
A hipnose médica não requer que o paciente passe por testes ou provas de suscetibilidade. A abertura ao método, ou seja, estar realmente disposto a realizar este tipo de tratamento é mais importante do que a profundidade de transe.
Todos os pacientes são hipnotizáveis, não é preciso acreditar, basta querer. Será um processo sempre com uma finalidade muito específica para o tipo de distúrbio que o paciente apresenta e realizado em um ambiente ético e controlado de consultório médico.
Para aqueles que falharam nas intervenções médicas tradicionais para sua condição gastrointestinal, a hipnose é sem dúvidas uma opção. Na verdade, isto é o que ocorreu com a maioria dos pacientes que me procuram. Todavia, tenho procurado mudar este cenário.
Entendo que os resultados da hipnoterapia são melhores quanto mais precocemente o método for aplicado. Assim, para muitos casos, a hipnose pode ser uma opção inicial de tratamento, associando-se como método terapêutico às outras medidas clínicas rotineiras.
Dito isso, entendo, em concordância com muitos autores, que os pacientes com comorbidades psiquiátricas, em especial distúrbios psicóticos não tratados, geralmente não são ideais para o tratamento de saúde comportamental gastrointestinal, que inclui hipnose. Mais uma vez friso aqui, portanto, a importância de uma avaliação clínica bem conduzida.
Considerações finais
Em resumo, a hipnose fornece aos pacientes uma estratégia de enfrentamento saudável que também aborda a maneira como o estresse afeta o corpo. O tratamento de saúde comportamental gastrointestinal também pode incluir intervenções com psicólogos e psiquiatras, o que ajuda ainda mais os pacientes a aprender como seus pensamentos, emoções e comportamentos afetam sua saúde.
Os pacientes também podem aprender intervenções adicionais de gerenciamento de estresse e habilidades de enfrentamento e definir metas para alimentação saudável e exercícios físicos. Na minha prática, um grande aliado deste processo é o Mindfulness, mas isso vamos deixar para outro post.
Fato é que cada vez mais pesquisas apoiam a importância do autocuidado e do controle do estresse no tratamento de condições médicas. É para esta direção que parece também apontar o futuro da Medicina.
Texto escrito por: Dr. Alberto Bicudo.