Em meio aos desafios do dia a dia nosso cérebro é capaz de gerenciar energia, garantindo que possamos manter a melhor performance nas mais diversas situações. O sistema nervoso central e autônomo (simpático e parassimpático) atuam neste delicado e complexo equilíbrio.
Continue lendo abaixo e entenda o que é o ‘orçamento corporal‘ e como ele pode nos afetar.
Imagine que você se encontra naquelas tão esperadas férias! Após um ano de muito trabalho, e também muito sedentarismo, você está ali, fazendo aquela trilha que te levará àquela praia maravilhosa. O calor é forte e você não vê a hora de chegar. A frente um último obstáculo: você terá que atravessar um pequeno morro, do outro lado está a refrescante praia!
Uma leve sensação de euforia invade seu corpo que, perante o desafio a frente, começa a mobilizar recursos para atingir seu objetivo: a frequência cardíaca começa a aumentar, você pode sentir um aumento na circulação para seus membros, a respiração se torna mais rápida – todos os sinais que você poderia associar com uma resposta ao estresse, ansiedade ou, em termos mais técnicos, uma ativação do sistema nervoso simpático (lhe preparando para lutar ou fugir).
No entanto, neste momento você não está particularmente estressado nem ansioso, mas apenas pronto para se mover com afinco e atravessar o obstáculo. Esse tipo de resposta lhe traz uma onda de energia para fazer seu caminho morro acima.
Você anda, e a cada passo, os recursos parecem se esvair. Você lamenta a falta que as atividades físicas negligenciadas durante o ano estão lhe fazendo. Mas enfim chega. Agora, ao topo da elevação, pode relaxar um pouco e apreciar a vista deslumbrante, pronto para mergulhar na imensidão azul do mar que lhe espera.
Este exemplo representa perfeitamente as ações de nosso sistema nervoso autônomo. Quando você se prepara para ser ativo, você precisa mobilizar seus recursos, para que seu corpo acelere a frequência cardíaca, dilate os vasos sanguíneos, despeje cortisol em sua corrente sanguínea para dar-lhe um impulso energético (ativação simpática, ou seja, modo lutar ou fugir).
É como pisar no acelerador do carro. Quando você precisa desacelerar, sua mente “coloca o pé no freio” mudando para o modo de descanso e digestão, que retarda sua respiração, diminui a frequência cardíaca, reverte o fluxo sanguíneo dos músculos em exercício para a digestão e assim por diante (ativação parassimpática).
Conforme você dirige seu veículo ou corpo ao longo do dia, seu pé está sempre pressionando o pedal do acelerador ou aplicando o freio, experimentando algumas das mudanças fisiológicas relacionadas descritas no diagrama acima.
Todas essas mudanças fisiológicas esgotam sua energia ou a regeneram.
De que energia estou falando? Da energia eletroquímica criada em nossas células através da reação entre a glicose (vinda da alimentação) e oxigênio (vindo da respiração) – essa energia é armazenada na nossa “moeda de troca”: as moléculas de ATP.
Pense então que nosso corpo, ao longo dos seus milhares de anos de evolução, se adaptou para se tornar uma verdadeira “empresa de crédito pessoal”. O tempo todo, esta empresa busca manter o seu equilíbrio interno, através do consumo e síntese de sua moeda de troca.
Podemos pensar nisso em termos de seu “orçamento corporal” fisiológico. Tudo o que você faz em sua vida diária atua ou como um depósito para o orçamento do corpo ou como uma retirada.
E como eu disse, seu cérebro tem se adaptado por milhares de anos para cumprir essa missão com maestria, de modo a manter você sempre pronto a executar as tarefas que precisam ser feitas. Ainda que sejam tarefas imediatas, pois ao longo de nossa escala evolutiva, disto poderia depender a vida ou a morte.
Vamos voltar ao nosso cenário de praia. Agora você está descendo a elevação e já começa a ouvir o barulho do mar. São apenas mais poucos metros de mata. Você dá um passo e de relance nota algo rasteiro atravessando sua frente em meio as folhas secas no chão.
Com um rápido e instintivo salto você desvia para o lado, apenas milésimos de segundo depois grita: “uma cobra”. O coração está acelerado, a respiração rápida, as pupilas dilatadas (e tudo isso ocorreu como que instantaneamente). Só então você analisa o terreno e se dá conta. Era apenas um pedaço cipó que se mexeu devido aos seus próprios movimentos. Você sorri aliviado enquanto todo o corpo volta ao “normal”.
Quando seu cérebro antecipa algo fisicamente desafiador, ele automaticamente retira do orçamento do corpo a energia necessária para permitir que você enfrente o desafio, como você fez quando estava prestes a subir aquele morro, ou mesmo como fez quando pressentiu a presença de uma cobra lhe atacando.
Mas poderíamos ter esta reação fisiológica se apenas observarmos ou mesmo imaginarmos uma atividade sem fazer nenhum movimento real?
A neurocientista Lisa Feldman Barrett, professora de psicologia e diretora do Laboratório Interdisciplinar de Ciências Afetivas da Northeastern University (EUA), uma das mais importantes pesquisadoras nesta área na atualidade, relata que se você recrutar um grupo de voluntários e pedir-lhes que vejam fotos de animais, flores, bebês, comida, dinheiro, armas, surfistas, paraquedistas, acidentes de carro e outros objetos e cenas, “essas fotos afetam seus orçamento corporal; os batimentos cardíacos aumentam, a pressão arterial muda, os vasos sanguíneos dilatam.
Essas mudanças orçamentárias, que preparam o corpo para lutar ou fugir, ocorrem mesmo que os voluntários não estejam se movendo e não tenham um plano consciente para se mover”.¹
Há muito se sabe que antecipar um evento estressante faz você se sentir estressado. Da mesma forma, antecipar uma viagem divertida que se aproxima o deixa feliz. Mas agora a ciência confirma que simplesmente pensar em QUALQUER objeto, evento ou cena muda seu estado fisiológico e pode drenar sua energia ou reabastecê-la.
Com esses estudos, agora temos boas evidências de que o cérebro prevê as respostas de seu corpo com base em experiências anteriores com situações e objetos semelhantes, mesmo quando você não está fisicamente ativo.¹ Por exemplo, se você sabe (pois já experimentou) como uma determinada prática ou atividade lhe faz sentir, apenas passar por essa experiência mentalmente, sem nenhum movimento físico, trará também uma experiência fisiológica semelhante ao seu corpo.
E exatamente o que ocorre quando trabalhamos com técnicas de Hipnose – com base nisso, você pode vislumbrar as inúmeras possibilidades deste método.
Agora algo muito interessante. A convivência com outras pessoas também afeta o orçamento do seu corpo. “Quando você interage com seus amigos, pais, filhos, amantes, companheiros de equipe, terapeuta ou outros companheiros próximos, você e eles sincronizam a respiração, batimentos cardíacos e outros sinais físicos, levando a benefícios tangíveis.
Ficar de mãos dadas com seus entes queridos ou mesmo manter suas fotos em sua mesa no trabalho reduz a ativação nas regiões de orçamento do corpo e torna você menos incomodado com a dor. Se você estiver no sopé de uma colina com amigos, ela parecerá menos íngreme e mais fácil de escalar do que se você estiver sozinho.
Em contrapartida, quando você perde um relacionamento íntimo e amoroso e se sente mal fisicamente com isso, parte da razão é que seu ente querido não está mais ajudando a regular seu orçamento. Você sente que perdeu uma parte de si mesmo, e de certa forma, você perdeu.¹
Seu equilíbrio fisiológico oscila constantemente, respondendo às demandas energéticas das atividades nas quais você está prestes a se envolver, dos eventos que você antecipa, das imagens que conjura em sua mente e das pessoas com quem passa o tempo. “Cada pessoa que você encontra, cada previsão que você faz, cada idéia que você imagina, assim como cada visão, som, sabor, toque e cheiro que você sente têm consequências orçamentárias e previsões interoceptivas correspondentes”.¹
É importante reconhecer isso porque sua fisiologia dita a maneira como você se sente a cada momento e também porque saldos negativos e superávits em seu orçamento corporal podem levar a doenças. Você está ciente dessas flutuações fisiológicas em sua vida diária? Você tem depósitos energéticos suficientes para equilibrar as retiradas? O que tem feito para lidar com os excessos?
Iremos falar mais sobre isso em próximas postagens – por isso continue acompanhando!
Fonte
¹ Barrett, LF (2017). Como as emoções são feitas: a vida secreta do cérebro. Houghton Mifflin Harcourt.