Felizmente, nos últimos anos, houve um aumento exponencial dos estudos que procuram demonstrar a influência dos processos mentais e cerebrais nas respostas do corpo ao seu ambiente.
Está cada vez mais clara também a grande influência que o corpo pode exercer sobre o estado mental dos seres humanos.
Inicialmente, a comunidade médico-científica via atividades como a meditação, como a indução de um estado dissociativo ou tipo de catatonia vinculada a práticas religiosas, tendo pouca aplicabilidade na prática clínica.
No entanto, com o tempo, ela foi sendo objeto de estudos sistemáticos por cientistas ocidentais e hoje é utilizada e ensinada em instituições como o MD Anderson Cancer Center dos Estados Unidos e no Brasil, no Hospital Israelita Albert Einstein.
Normalmente ela é prescrita como uma técnica para relaxamento do corpo e tranquilizar a mente, mas estudos vêm demonstrando que as práticas mente-corpo podem ter aplicações bem mais amplas.
Isto decorre em muito pela maior compreensão dos impactos negativos ligados ao estresse “psicológico”. Hoje sabemos da sua relação com alterações importantes em todo o organismo, incluindo a modulação do sistema imunológico e a aceleração do processo de envelhecimento celular.
Existem evidências crescentes de que a prática regular de Mindfulness (ou prática da atenção plena) pode contribuir para a prevenção e tratamento de diversas doenças e condições clínicas, crônicas não transmissíveis principalmente, fato este associado ao aumento da qualidade de vida e do estado de saúde, e em especial à redução dos níveis prejudiciais de sintomas de estresse, ansiedade e depressão.
O que é Mindfulness?
Mindfulness pode ser traduzido como consciência plena ou atenção plena. Uma definição bastante conhecida pode ser um estado mental que emerge ao se prestar atenção à experiência do momento presente, de forma intencional e sem julgá-la. Segundo a definição de Jon Kabat-Zinn, “Mindfulness é simplesmente parar e estar presente”.
Embora as práticas de Mindfulness sejam simples, praticá-las pode ser desafiador. Geralmente 47% do tempo a nossa mente divaga, estamos pensando no passado ou futuro e, notando isso com atitudes de gentileza, abertura e curiosidade, vamos trazendo a mente ao momento presente; tantas vezes quantas forem necessárias.
Procuramos perceber a experiência sem julgar e não nos apegando aos pensamentos e sentimentos. Estamos permitindo que a experiência seja como é, deixando ir, soltando o que chega naturalmente: pensamentos, sensações, sentimentos, emoções.
Mindfulness e redução estresse.
Podemos dizer que Mindfulness tem suas raízes na tradição budista e foi adaptada para ambientes de saúde no início da década de 1980. Inicialmente, Jon Kabat-Zinn desenvolveu um programa para auxiliar pacientes com problemas de dores crônicas e depois o programa expandiu para transtornos de ansiedade, depressão e hoje é utilizado em diversos setores da saúde.
O protocolo de Kabat-Zinn recebeu o nome de Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) e foi base de inspiração para outros protocolos. A idéia de redução do estresse está, portanto, diretamente ligada ao Mindfulness desde sua concepção inicial.
As práticas de Mindfulness dão ênfase a dois elementos: focar a atenção na experiência imediata e adoção de uma mente plena, aberta, curiosa.
Enquanto as técnicas cognitivas tradicionais são voltadas a modificação do conteúdo dos pensamentos (p.ex., pensamentos disfuncionais), a prática de Mindfulness procura mudar o relacionamento da pessoa com seus pensamentos, tornando-se assim mediadora de mudanças comportamentais.
Outros Benefícios do Mindfulness.
• Adicção a drogas:
Após anos de pesquisa em prevenção de recaída, Alan Marlatt propôs o Mindfulness-Based Relapse Prevention (MBRP), um modelo terapêutico cognitivo-comportamental para o tratamento da dependência de substâncias.
Esse tratamento passou a integrar o protocolo da prevenção de recaída. MBRP se apresenta como uma estratégia de enfrentamento, em situações de alto risco, integrando educação sobre fissura e instrução para a aplicação de habilidades de Mindfulness diante da dependência, tornando-se uma ferramenta essencial na promoção da consciência e aceitação das reações psicológicas e físicas da abstinência de substâncias.
O programa de MBRP foi baseado no programa MBSR desenvolvido por Kabat-Zinn. O MBRP tem ajudado os indivíduos com problemas de dependências a lidar melhor com suas fissuras, permitindo a eles desenvolver habilidades cognitivas e comportamentais para não ceder ao uso da substância. Alguns estudos já apresentam resultados promissores e começam a ser adotados na prática clínica.
• Depressão:
A incidência de depressão maior é bastante expressiva em diferentes países do mundo. Um dos grandes desafios na depressão maior é a prevenção de recaídas. O Mindfulness-Based Cogntitive Therapy (MBCT) foi desenvolvido por Segal et al. em 2002 e combina o ensino de práticas formais de meditação Mindfulness com estratégias da terapia cognitiva, especialmente para prevenir recaídas na depressão maior. Inclui uma prática de 3 minutos que pode ser realizada a qualquer momento do dia, em que o indivíduo focaliza sua respiração; o que é uma forma de integrar a prática formal à vida diária. Inicialmente, é utilizada em momentos específicos a cada dia, mas, com o tempo, pode ser utilizada sempre que os sentimentos desagradáveis forem percebidos.
• Hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares:
Desde a década de 1970, há evidências de que as práticas mente-corpo podem ajudar a reduzir a hipertensão. Revisões sistemáticas recentes apresentaram alguns resultados favoráveis à prática de diferentes tipos de meditação e Mindfulness em relação ao tratamento de doenças cardiovasculares, particularmente com relação à pressão arterial.
Nove revisões sistemáticas avaliaram os efeitos da meditação na redução da pressão arterial. Os estudos mostraram reduções significativas das pressões arteriais sistólica e diastólica, principalmente em pacientes com hipertensão ou pré-hipertensão.
Essas práticas integrativas resultaram também em melhora na saúde mental, como ansiedade, depressão, angústia e estresse em pessoas com condições relacionadas a doenças cardiovasculares.
• Diabetes mellitus:
Há muito tempo o estresse vem sendo estudado no diabetes mellitus. O estresse crônico está associado a dificuldades no controle da glicose plasmática (glicemia), mesmo quando o tratamento medicamentoso é seguido rigorosamente.
Nas pesquisas, os praticantes de Mindfulness têm mostrado uma melhora considerável da glicemia e mesmo da hemoglobina glicada (marcador associado ao desenvolvimento de complicações da doença). Também entre praticantes de Mindfulness houve melhor manejo da dor em pacientes que já tinham comprometimento neurológico (neuropatia diabética).
• HIV/AIDS:
Aqui, os princípios básicos da Mindfulness são a chave para os resultados. A AIDS é uma doença que ainda envolve muito preconceito e é emocionalmente difícil de administrar.
Consequentemente, o principal efeito do Mindfulness foi reduzir as emoções negativas, a impulsividade, as reações de agressividade, melhorar o auto-cuidado e criar um sentimento de grupo. Tudo isso melhorou muito a aderência ao tratamento e resultou em consequente aumento da imunidade dos pacientes.
• Doenças gastrointestinais:
Há estudos mostrando que Mindfulness pode reduzir muito os sintomas da Síndrome do Intestino Irritável.
Existem ainda evidências do uso do Mindfulness em portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais (Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa) – parece haver uma relação com redução dos sintomas da doença, mesmo que de maneira leve.
Novos estudos são necessários para nos esclarecer mais sobre a aplicação do Mindfulness nestas condições específicas.
• Obesidade:
O Mindfulness está relacionado ao controle de certos tipos de comportamentos ligados a obesidade, como: binge eating (comer compulsivamente, grandes quantidades de alimento de uma vez); emotional eating (o comer desencadeado por alegria, tristeza ou outros estímulos emocionais) e external eating (quando a pessoa não consegue segurar o impulso ao ver alimentos ou sentir seu cheiro, por exemplo).
Dentre as estratégias de atenção plena, no tocante ao comportamento alimentar, destaca-se o “mindful eating”: comer bem devagar, prestando atenção em todos os estímulos que o alimento oferece: forma, cor, cheiro, textura, sabor, o som da mastigação, etc.
Como resultado, conseguimos comer com atenção plena, o que nos deixa mais satisfeitos, diminui a ingestão de alimentos e permite uma melhor digestão, reduzindo o ganho de peso.
• Gravidez:
A gravidez também é um momento de estresse, especialmente em seu fim quando o parto e toda uma mudança de estilo de vida se aproximam. Com esse objetivo, foi criado o Mindfulness-Based Childbirth and Parenting (MBCP). É uma forma de “treinamento” realizado com mães no último trimestre da gestação, bem como seus parceiros.
As pesquisas observaram que o “estar mais presente, sem julgamentos” aumentou muito a aceitação da condição de gestante. Aceitando melhor as dores do parto, elas se sentiam mais capazes de suportá-las, tinham menos medo de perder o controle e compreendiam melhor a natureza temporária (e inevitável) do que estavam vivenciando.
A prática também pode ser eficaz em reduzir a incidência da depressão pós-parto e melhorar os cuidados dos pais com os bebês recém nascidos (daí a participação dos parceiros no programa).
Como começar a praticar a atenção plena?
Existem diversas formas de se praticar o Mindfulness, as mais simples são baseadas em criar um ponto de atenção, chamado de âncora. Onde toda atenção é voltada para a respiração e corpo, por meio das sensações do momento.
Lembrando que os benefícios são percebidos por meio da prática regular do método, sempre em ambientes silenciosos e posições confortáveis. Tenho adotado estratégias de Mindfulness no cenário clínico, como forma de tratar diversos problemas apresentados por meus clientes, tanto de ordem física como psicoemocional.
Os resultados tem sido muito satisfatórios ao longo destes vários anos de prática. Fica aqui o meu convite para que você dê primeiro passo e conheça essas novas possibilidades. Tenho certeza que será um caminho sem volta rumo a uma vida melhor!