Em março de 2021, o The American Journal of Medicine (AMJ), um dos mais importantes periódicos médicos da atualidade, publicou um editorial, assinado pela Dra. Jessie Kittle e Dr. David Spiegel, do Departamento de Medicina Interna e do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da Universidade de Stanford (Califórnia-EUA), com o título: “Hypnosis: The Most Effective Treatment You Have Yet to Prescribe” (Hipnose: o tratamento mais eficaz que você já prescreveu).
Com base neste material escrevi este texto para o blog Hipnogastro, captando suas principais idéias (algumas em tradução literal). Espero que seja útil para aqueles que procuram mais informações sobre hipnose médica e saber um pouco mais sobre o impacto daquilo que posso chamar “renascimento da hipnoterapia”, vem tendo na Medicina ocidental.
Sem dúvidas, a publicação de um editorial com este teor numa revista médica de tão grande impacto, por si só, já nos dá uma visão do quanto o tema vem cada vez mais se tornando relevante.
A terapia com Hipnose deve ser entendida como um tratamento COMPLEMENTAR, com eficácia demostrada por inúmeros estudos científicos publicados nos últimos 20 anos.
Estes estudos consolidam uma forte evidência, que faz com que a Hipnose esteja sendo cada vez mais empregada em grandes centros médicos em diversas partes do mundo.
A hipnose e a medicina no Brasil
No Brasil, assim como nos Estados Unidos, apesar das evidências robustas a respeito da sua aplicação para inúmeras doenças, a hipnose é subutilizada pelos médicos. Nos dias de hoje, isto parece um tanto contraditório.
Entendo, em concordância com os autores da Universidade de Stanford, que o uso da Hipnose cumpre plenamente o papel do Médico em, com base em evidências, promover tratamentos que aliviam o sofrimento com o mínimo de chances de promover algum tipo de dano.
Embora a hipnose já apareça nos currículos médicos em potências acadêmicas como as Faculdades de Medicina de Baylor, Harvard, Columbia e Stanford (embora como disse, ainda não totalmente praticada e aceita), o treinamento em hipnose está totalmente dissociado do currículo de escolas médicas brasileiras.
Outrossim, creio que as próximas décadas poderão nos trazer cada vez mais a ressurreição moderna da mais antiga forma ocidental de psicoterapia, e isso deve inspirar os médicos a serem treinados e oferecer hipnose médica como uma de suas modalidades de tratamento.
A evolução da hipnose ao longo dos anos…
A hipnose, seus mitos e equívocos, têm evoluído desde o século 18, quando Franz Mesmer inadvertidamente levou a hipnose à obscuridade com sua teoria sobre manipular uma força chamada “magnetismo animal”.
As reivindicações de Mesmer foram dissipadas pela Real Academia Francesa de Ciências, e levou quase 100 anos para um médico escocês, James Braid, ser o primeiro a descrever uma teoria mental e sugestiva da hipnose como um estado fisiológico de vigília.
A definição de 2014 da American Psychological Association descreve a hipnose como “um estado de consciência envolvendo atenção focada e consciência periférica reduzida caracterizado por uma maior capacidade de resposta a sugestão.”
Evidências empíricas de longa data demonstram que a hipnose afeta a percepção, os sintomas e hábitos. Estas tem sido recentemente explicadas por avançados em modalidades de diagnóstico de imagem como ressonância magnética funcional (fMRI).
Mudanças durante a hipnose incluem redução atividade na porção dorsal do córtex cingulado anterior e na conectividade entre o córtex pré-frontal e a ínsula (uma via para controle mente-corpo). Podemos dizer que nos dias de hoje se avança à todo vapor o conhecimento das bases neurofisiológicas da hipnose. Cada vez mais, este estado deixa de ser para nós um mistério.
Porém, embora nossa compreensão do mecanismo de ação da hipnose já seja mais robusto do que, por exemplo, o nosso entendimento sobre os efeitos do paracetamol, isto não tem sido suficiente para incrementar seu uso. Os céticos descrevem a hipnose em uma das três seguintes maneiras: uma perigosa forma de controle da mente, uma coisa ineficaz ou placebo.
A hipnose é frequentemente vista como perda de controle e, portanto, perigosa, quando na verdade, é um meio poderoso de ensinar os pacientes como controlar a mente e o corpo. A capacidade de entrar em hipnose, é uma característica estável possuída de modo inato por alguns e que pode se melhorada com treino em tantos outros.
Seus limites basicamente estão naqueles casos onde a comunicação com o paciente se torna impossível: podemos colocar neste grupo quadros graves de acidente vascular cerebral, estados demenciais avançados, esquizofrenia e estados de atenção focada ou processamento de linguagem prejudicada, dentre outros.
A medicina e a eficácia da hipnose
A hipnose é mais poderosa do que o placebo (embora a expectativa do paciente seja um fator moderador). O efeito placebo é bloqueado pela administração de naloxona, enquanto a analgesia hipnótica não é. Isto já foi demonstrado.
Adicionalmente, avaliações sobre hipnose para diversas entidades clínicas são no mínimo impressionantes, com eficácia demonstrada para enxaqueca, síndrome do intestino irritável, e ansiedade. A Hipnose melhora a dor processual e o sofrimento emocional. Estudos recentes demonstram que a técnica pode reduzir o consumo de medicamentos em até 40%.
Em suma, se a hipnose fosse uma droga, seria um tratamento padrão amplamente presente em nossos protocolos. Médicos devem prescrever hipnose, especialmente quando ela supera o padrão atual de tratamento por sua segurança e eficácia.
É o caso do uso irrestrito e exponencial de opióides e sedativos, sabidamente relacionado a importantes riscos à saúde. Por outro lado, observa-se ainda que os pacientes têm um grande apetite para assumir o controle de seus próprios sintomas: vídeos de hipnose online para ansiedade e insônia ostentam 15-19 milhões de visualizações na internet, e a hipnose médica é bastante aceita pelos pacientes.
Além disso, o médico treinado pode praticar a auto-hipnose para gerenciamento do estresse tão comum à profissão. O mesmo pode ser feito para problemas como insônia, baixo desempenho, ansiedade, evitando assim o uso de medicamentos que atrapalham seu foco. Certamente nossos pacientes e familiares agradecerão!
Nos EUA, a pesquisa da hipnose é financiada pelo National Center for Complementary and Integrative Health (NCCIH). Pesquisadores estão fazendo incursões nos aspectos genéticos em relação à hipnotizabilidade, resposta ao tratamento de diversas doenças e aplicações para o tratamento da dor, câncer, melhora de resultados após cirurgias, cessação de tabagismo e gestão do estresse nos cuidados de saúde.
A automação da hipnose usando gravações, aplicativos baseados na web, e dispositivos de áudio inteligentes estão sendo testados para expandir acesso a intervenções de hipnose. Da ciência básica à eficácia clínica, passando pela educação médica, pesquisas sobre hipnose de todos tipos tem relevância para a Medicina.
Considerações finais
Os Médicos são os embaixadores da evidência em saúde. Nosso amplo treinamento e o escopo de atuação maximizam nossa eficácia como curadores, mas não devemos perder de vista aquilo que experimenta a doença: a mente humana. Quanto mais trouxermos a luz as aplicações da hipnose mais seu papel será bem-vindo e respeitado por nossos pacientes e colegas.
Eles se beneficiarão com menos dor, ansiedade, insônia, hábitos como fumar e os efeitos colaterais que acompanham muitos tratamentos farmacológicos. Nós vamos beneficiar da satisfação de reagir agilmente na direção para a melhor evidências e tratamentos mais seguros e, talvez, também desfrutar de um melhor sono noturno. Esta é uma chamada à ação para um uso mais amplo da hipnose – com intrépidos médicos liderando o ataque.
FONTE:
Kittle J, Spiegel D. Hypnosis: The Most Effective Treatment You Have Yet to Prescribe. Am J Med. 2021 Mar;134(3):304-305.
Jiang H, White MP, Greicius MD, Waelde LC, Spiegel D. Brain activity and functional connectivity associated with hypnosis. Cereb Cortex 2017;27(8):4083–93.
Kirjanen S. The brain activity of pain relief during hypnosis and placebo treatment. J Eur Psychol Stud 2012;3(1):78–87.
Tefikow S, Barth J, Maichrowitz S, Beelmann A, Strauss B, Rosendahl J. Efficacy of hypnosis in adults undergoing surgery or medical procedures: a meta-analysis of randomized controlled trials. Clin Psychol Rev 2013;33(5):623–36.