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Há cerca de 15 anos atrás, uma paciente veio até mim. Uma menina de 15 anos, que iria inspirar minha carreira e, finalmente, mudar a minha forma de entender a ligação entre dor e trauma.

Como muitos de meus pacientes gastroenterológicos, ela me procurou com fortes dores, prisão de ventre e várias hospitalizações que afetaram sua vida e atividades sociais.

Eu iniciei o seu tratamento e a reavaliava a cada duas semanas. Com a melhora, uma vez a cada um ou dois meses. Com cerca de 6 meses ela estava melhor. Respondeu positivamente ao tratamento. Ela teve menos faltas na escola, suas notas melhoraram e ela começou a participar das atividades sociais com mais normalidade.

Então, aos 17 anos, ela teve uma grande mudança em sua vida. Ela começou a namorar um jovem de 19 anos e tornou-se sexualmente ativa. Durante uma de suas visitas de acompanhamento, percebi que ela havia mudado. Ela estava chorando, parou muitas das atividades que antes gostava de fazer e perdeu peso.

Ela começou a ter pesadelos horríveis onde se via sendo atacada. Enquanto conversávamos durante seu exame, descobri que tornar-se sexualmente ativa a fez relembrar o abuso sexual que sofreu e reprimiu dos 3 aos 7 anos de idade. O agressor era um amigo da família, e sua família optou por lidar com a situação fingindo que o abuso nunca aconteceu.

Foi nessa época que sua dor abdominal e prisão de ventre começaram. Trabalhei com ela e sua mãe para conseguir o apoio de saúde mental de que precisava e, com algumas intervenções médicas, seus sintomas melhoraram.

Pesquisas sobre os efeitos do trauma e abuso no cérebro

Minha formação foi em gastroenterologia e cirurgia. Mas após tratar essa paciente, comecei a notar um padrão: ao fazer histórias de mulheres que vinham ao meu consultório, descobri que um grande número delas havia sofrido abuso sexual ou físico no passado.

Para entender isso melhor, busquei dados na literatura médica. Nestes estudos encontrei informações que aguçaram ainda mais meu interesse.

Pesquisando um banco de dados de pacientes de gastroenterologia, com um perfil muito parecido com aqueles que sempre atendi em meu consultório, encontrei um levantamento de uma clínica americana com mais de 200 mulheres, onde 44% das que buscavam tratamento para distúrbios gastrointestinais graves tinham uma história de abuso.

Todavia, apenas 11% dessas mulheres divulgaram isso a seus médicos. Ficou claro que os médicos estavam tratando essas pacientes sem perceber a importância de como as experiências anteriores dessas mulheres afetaram seus problemas de saúde atuais.

Comecei então a estudar a gravidade da história de abuso e sua correlação com a dor, e passei a entender que quanto mais grave a experiência de abuso, mais graves os sintomas gastrointestinais. Na atenção primária, cerca de 10 ou 15 por cento dos pacientes relatam experiências abusivas.

No entanto, para as mulheres que buscaram referências, quase metade teve experiências de abuso. Ao que parece, essas primeiras experiências traumáticas produziram sintomas mais graves e as levaram a procurar atendimento.

Esses estudos me levaram aos trabalhos publicados pelos primeiros pesquisadores sobre o tema, algo que já vem sendo investigado há mais de 20 anos. Alguns deles tive o prazer de conhecer pessoalmente ou através da troca de e-mails.

Esses profissionais de saúde americanos, pela primeira vez na medicina ocidental, estudaram a ligação entre o trauma e a gravidade de sintomas físicos. Inclusive criaram uma escala, atribuindo um valor numérico com base na gravidade do abuso, variando de uma tentativa de agressão sexual a toques inadequados, até o mais grave, que foi a penetração.

As descobertas destes autores foram dramáticas. As pessoas que relataram as formas mais graves de abuso também relataram os maiores escores de dor. Além de mais dor, foi observada uma correlação direta com maiores taxas de incapacidade, mais operações, mais problemas psicológicos e mais distúrbios funcionais.

Quanto mais eu investigava mais resultados semelhantes encontrava. Quanto mais severo o abuso físico, pior a dor. Pesquisei inicialmente de modo mais especifico esta relação dentro dos distúrbios gastrointestinais, mas hoje entendo que esses resultados não são específicos para a gastroenterologia, mas o padrão se replica em todos os tipos de condições.

O tratamento com hipnose clínica

Isso nos leva de volta ao paciente de 15 anos que eu havia atendido anos antes. Ela havia se recuperado, alguns anos mais tarde, já adulta, começou a sentir piora dos sintomas depois de se casar e de estar em um casamento abusivo.

Ela relatou que se sentia fora de controle de seus sintomas e de sua vida e começou a usar doses cada vez maiores de remédios para dor e sedativos prescritos para tratar sua dor gastrointestinal. Mas neste momento, toda a minha forma de entender as relações mente-cérebro como médico também já era outra.

Ela foi tratada com técnicas de hipnose clínica, mindfulness, apoio psicológico através de terapia cognitivo comportamental, e acompanhamento médico feito de uma maneira integral, atento não só em relação ao uso de medicações que realmente a ajudassem, mas a todos os demais aspectos neurofisiológicos ligados a sono, alimentação e movimento. Ela finalmente conseguiu se divorciar de seu cônjuge abusivo e se recuperar novamente.

Já havia entendido a conexão entre abuso severo e graves problemas de saúde, e para mim estava claro que a imensa maioria destes pacientes queriam de fato melhorar, não estavam fingindo, simulando ou tendo algum tipo de ganho secundário com o problema.

Então passei a pesquisar no sentido de buscar estudos que demonstrassem o mecanismo no cérebro que causava uma dor tão forte em meus pacientes, em contraste a pacientes que não haviam sofrido traumas anteriores.

Isso me levou a ler trabalhos e estudar neurociência. Passei a estudar imagens cerebrais do córtex cingulado e áreas sensoriais somáticas, ou os centros de dor do cérebro.

E realmente observei que pesquisadores de várias partes do mundo já estavam constatando cientificamente aquilo que empiricamente via todos os dias em meu consultório. Algo acontece no cérebro desses pacientes que sentiam dor.

Na figura abaixo, trouxe pra vocês uma imagem de um destes estudos. A superior mostra o cérebro de uma paciente vítima de abuso durante um desses episódios dolorosos. A linha inferior mostra a mesma área do cérebro após o tratamento.

A dor que sentia após o tratamento já não era mais tão forte. Na figura da imagem do cérebro, a linha superior representa áreas do cérebro antes do tratamento. A segunda e a terceira imagens cerebrais representam as áreas muito brilhantes associadas à dor.

Observe na linha inferior (após o tratamento) que as 2ª e 3ª imagens mostram muito menos brilho, representando melhora e menos dor. Em outros estudos, esses pesquisadores confirmaram que as varreduras cerebrais de mulheres abusadas mostram ativação no córtex cingulado maior do que aquelas sem histórico de abuso e isso está relacionado ao grau de dor que sentiram.

Em outras palavras, a dor é real. Não está tudo na cabeça do paciente e não é uma condição psiquiátrica. Inúmeros estudos mostram que há uma mudança fisiológica e estrutural no cérebro que causa dor mais intensa nas vítimas de abuso e trauma. Mas esses mesmos estudos também contém a prova de um motivo para ter esperança: varreduras cerebrais de pacientes feitas após o tratamento provam que essas mudanças são reversíveis. Se você ou um ente querido está sofrendo, encorajo-o a procurar tratamento.

Recursos adicionais

Para falar com alguém imediatamente e confidencialmente, ligue para o Disque Direitos Humanos, ou Disque 100, um serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, vinculado ao Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, da SPDCA/SDH.

O Disque 100 funciona diariamente das 8h às 22h, inclusive nos fins de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização, de acordo com a competência e as atribuições específicas, priorizando o Conselho Tutelar como porta de entrada (nas situações de crianças e adolescentes), no prazo de 24 horas, mantendo em sigilo a identidade da pessoa denunciante.

Pode ser acessado por meio dos seguintes canais:

Childhood Brasil: criada em 1999 pela Rainha Silvia da Suécia, a Childhood Brasil faz parte da World Childhood Foundation (Childhood), instituição que conta ainda com escritórios na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. A organização é certificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Saiba mais em https://www.childhood.org.br/

Comitê Internacional da Cruz Vermelha: https://www.icrc.org/pt/document/aos-sobreviventes-de-violencia-sexual-como-encontrar-ajuda

Ligue 180: A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço público e gratuito. do governo federal que orienta as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, informando sobre os serviços existentes e encaminhando denúncias para outros órgãos. Saiba mais em https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-sexual/direitos-e-servicos/

Dr. Alberto Bicudo Salomão

Agendamento de Consulta: 65 96517261 (Cuiabá-MT)

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